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A FAZENDA MONTE ALTO

     A sede da fazenda ficava entre o monte alto e o rio Figueirão. A casa era enorme, coberta de folhas de buriti, paredes de pau a pique, dividida em uma sala e quatro quartos.  Anexo ao fundo, unidas por uma longa bica de tronco de buriti, havia a casa da cozinha com a despensa. A cozinha ostentava um lindo fogão de lenha barreado com as mãos, em barro branco decorado com desenhos de galhos de flores e corações: arte característica das mulheres do “sertão do Figueirão”. Panelas de ferro, chaleira, bule, pratos esmaltados e um tacho de cobre, davam um toque de perfeição no ambiente. Na parede do quarto do casal, pendurados em pregos, relampeavam um revólver 38 “Schmidt” com a cartucheira amarelada de balas, uma carabina winchester e um facão jacaré. Sobre a mesinha, uma lamparina a querosene e uma lanterna a pilha.

    O quintal era fechado com lascas de aroeira verticais, cobertas pelos galhos floridos de primavera, copo- de- leite, roseira e bugarim. Ali, as borboletas, abelhas e colibris faziam festa, enquanto respirávamos o ar perfumados pelas flores.  À esquerda, o curral. O paiol era estivado com casqueiros de cedro, local em que meu pai armazenava milho, guardava as tralhas de montaria e hospedava as pessoas estranhas. A tulha de arroz ficava na sala. À direita, estava a casa da escola, onde as professoras Aydia, Lola e Energina, deram as primeiras instruções escolares aos alunos da fazenda e vizinhos. Duas cruzes de vinhático, fincadas em frente ao curral, assinalavam a sepultura de meu irmão Adnias, vítima de uma cobra peçonhenta e a outra, de meu tio Adelor, assassinado por um criminoso da terra. A cruz menor, pertencia ao meu irmão primogênito.

       Cresci ouvindo história fantásticas, narradas pelos visitantes e amigos de meu pai que vinham pousar em casa. Adormecia com medo, mas com muita segurança no colo paterno. Quando me despertava, à noite, vivia os personagens das lendas, mitos, assombrações e caçadas de onças.  Era uma festa para nós, quando recebíamos a visita da dona Matilde, dona Joaquina, seu Guilherme Pequi e vovó Jesuína. Às tardes, quando as nuvens escuras e tenebrosas, acompanhadas de ventos fortes espalhavam pelo espaço as folhas arrancadas do monte alto, eu imaginava que eram os pássaros e insetos voadores se dirigindo para a festa no céu. A uns trezentos metros, havia a “estrada velha”, da época em que os pioneiros atravessavam o “vau da Jesuína”. Do pátio da fazenda, avistávamos pessoas passando em direção à fazenda limeira ou voltando rumo ao bonito velho.

     A fazenda monte alto era assombrada. Minha mãe ouvia vozes e risadas de crianças. Ganhou o tesouro encantado, mas nunca teve coragem de arrancá-lo. Em frente à sede da Monte Alto, passava a rodovia que vinha de Camapuã. Em 1.952, chegou por ela o primeiro caminhão trazendo a mudança do professor Demétrio e do sargento Samuel.  Em 1.954, meu pai vendeu a Monte Alto e veio administrar a vila de Figueirão, que ele iniciava. Hoje, da fazenda Monte Alto, restam apenas o monte alto, a certidão da primeira rodovia, dois pés de mangas e muitas recordações. Teve o mesmo destino. Desapareceu junto com os sonhos da família Galvão.

Professor Admar de Araújo.

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